domingo, 11 de outubro de 2015

Vida de Palhaço #1

Esse será um novo grupo de publicações - podendo ser longos textos ou breves escritos e não seguirão uma ordem cronológica - com o mesmo tema. 
Experiências de um palhaço visitador. 

Mas o que é um palhaço visitador? 
Palhaço visitador é aquele que foi capacitado a fazer intervenções sociais a vários lugares que carecem de maior atenção e carinho (não que os outros não carecem) que são: asilos, hospitais, orfanatos, bairros carentes... pelo menos a ONG cujo sou voluntária age nesses locais. 

Nesses posts, colocarei algumas experiências que tive enquanto palhaça. Tanto visitas como cursos relacionados a esse meio.

Mas esse texto quero começar com algo muito especial que me marcou muito (não que as outras experiencias não tenha marcado) e que mexe comigo ao pensar nisso. 
Ontem, sábado, dia 10/10, seria mais uma visita comum, como todas as tardes de sábado. Acidentalmente, eu e minha irmã, chegamos alguns minutos atrasadas ao hospital (especificamente, unidade de atendimento) e fomos direto para os quartos de internação, onde alguns palhaços já faziam a intervenção, conversando com alguns pacientes e acompanhantes. 
Ao chegar no quarto, me deparei com uma senhora linda de olhos azuis e sorridente, ao ver a movimentação diferente, com aqueles seres de nariz vermelho. Me aproximei dela, e puxei conversa. Estava acompanhando seu irmão de uns 60 e poucos, vítima de um câncer. Conversa vai, conversa vem, ela me contou que o senhor João tinha filhos, mas estes não o via a tempos. Me contou um pouco sobre a vida, e como tem de ser forte pra cuidar do irmão. Estava conhecendo mais Dona Maria, e minhas mãos subitamente, foram atraídas para os cabelos dela. Eu podia ver as lágrimas em seus olhos. Lágrimas carregadas de força e fraqueza ao mesmo tempo, de lembranças tristes do passado e de infortúnios do presente. 
Dona Maria me mostrou uma das mulheres mais fortes que já vi. Uma senhora que cuidara há tanto de seu irmão, hoje o acompanha, com um sorriso no rosto e a fé inabalável. 

Foi a vez de João. Minha irmã já conversava com ele. Ao ver as mãos enrugadas nas mãos da minha irmã, fez meu coração apertar. João estava gostando daquelas figuras exuberantes em seu quarto. Falando sobre sua juventude, João nos contou que fora um jovem muito rebelde, até se envolver no alcoolismo. Disse que saia para beber e voltava pra casa, sujo e com mal cheiro e que sua irmã, em todas as vezes, o acolhia e lhe dava banho. Cuidava dele como o bom samaritano. 
Os relatos de João, eram interrompidos por breves tosses e lágrimas que escorriam rosto abaixo. 
Nos disse que estava muito feliz em nos ver. Que embora tenha sido tão triste em sua vida, estava feliz em ver sua nova família. 
Os palhaços. 
Disse que nós o havia levado para um outro mundo. 
Que mundo é este que João estava falando? 
Um mundo dentro de um olhar sincero, um sorriso verdadeiro, uma palavra amiga... um mundo que o nariz vermelho havia transportado todos daquela sala para um momento sem dor e preocupações. 
Disse a João, que não precisava chorar, que nós estávamos ali, simplesmente para vê-lo e fazê-lo feliz por pelo menos alguns minutos. 
Ele nos perguntou se nós queríamos ser suas sobrinhas. 
Meu coração sorriu de alegria. 
Ele pediu para nunca esquecermos dele. E eu prometi a ele, nunca me esquecer dele e que em todas as noites oraria por ele. 

Muitas vezes, coisas simples acontecem em nossas vidas, mas são como presentes que guardamos e levamos conosco até a velhice. Basta olhar com nobreza e enxergar os pequenos tesouros que ajuntamos. As lembranças, os abraços, as memórias, os sorrisos, as lágrimas, as conversas...

 "Comprimidos aliviam a dor, mas só o amor alivia o sofrimento."
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* Todos os nomes foram substituídos para preservar a identidade de cada pessoa.  

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